A delicadeza do Olhar
Frederico Fellini fala que os artistas, nas suas obras, refletem seu interior e as inquietações que caminham com eles. Pensei muito neste conceito assistindo a peça que acompanha a vida destes dois artistas há muito tempo:
Guilherme Leme Garcia – Vera Holtz voltam com o monológo tempo após ter realizado a primeira estreia.
Albert Camus, autor do romance O Estrangeiro, já foi um “estrangeiro”, tal e qual Mérault, casos em que não sentiam a sensação de pertencimento entre Argélia e Paris, capital em que também viveu e escreveu sua obra e por isso, talvez, a força desta obra-prima.
Vemos, atualmente, uma Europa e Meio-Oriente de guerras, de venir bélico, a ausência de humanidade com a cumplicidade de todos nós no olhar diário. Estamos jogados em aparente liberdade, regidos pelo preconceito – ideais tirânicos e lideres autoritários de plantão a comandar o destino do mundo – ”O não valor e o não lugar” se apresentam cada vez mais presente nos homens do mundo atual.
Todos estes sentires emanam como um caldeirão de sensações e imagens para o público na composição de Guilherme Leme Garcia e Vera Holtz da personagem Mersault.
No olhar destes inquietos artistas, Leme se mostra apaixonado e com intensa entrega à personagem de forma brilhante e singela. A “arte da delicadeza” se apresenta no olhar da direção e na concepção artística da obra.
Vera Holtz cuida de todos os detalhes como diretora, encontrando gestual e emoção precisas a cada fala. O desenho de luz de Aline Santini é precioso, percorrendo os caminhos e universos absurdos e existenciais de Mersault.
A trilha sonora de Zema Tamatchan nos envolve a cada palavra.
O Estrangeiro, reloaded, sempre será atual, bastando ligar a TV, ver as mensagens do celular ou escutar um rádio na portaria de um prédio. O ser humano ainda não evoluiu o suficiente e com a saúde mental deteriorada pôs pandemia, surgem “estrangeiros” em todo canto da cidade.
Assista, não importa se leu “O estrangeiro” de Albert Camus – Senta, mergulhe e sinta a arte do teatro, da interpretação e produção destes singelos artistas.
“O artista se forja no eterno ir e vir entre si mesmo e os outros, a meio caminho da beleza sem a qual ele não pode viver, e da comunidade da qual não pode se retirar” (Albert Camus)
Pamela Duncan
Alice Eugenia
blog Pensamento
www.pameladuncan.art.br
Temporada teatro VIVO – Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460 – Morumbi, São Paulo – São Paulo Terça, Quarta e Quinta às 20h00hs
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