Álbum de família

A ousadia de uma Cia de Teatro e um novo espaço na Cidade.

“Álbum de Família” é uma peça suicida, que da primeira à última linha desiste do aplauso crítico e, tranquilamente, admite a própria destruição” – Nelson Rodrigues.

A terceira peça de Nelson Rodrigues, foi a que passou mais tempo embargada pela censura. A obra, baseada numa tragédia familiar, com elementos polêmicos como traição, ciúme, morte e, sobretudo, o incesto, foi escrita em 1945, censurada em 1946 e tendo estreado apenas em 1967. Nela Nelson Rodrigues desmistifica a imagem aparentemente normal da instituição familiar, o que  rendeu-lhe severas  críticas e a posição de “autor maldito” no cenário dramático nacional da época.

Sempre e atual falar de “família”, vemos pouca mudança nos dias de hoje e, mais, em momentos onde a política conservadora  valoriza uma ética e moral ligadas à religiosidade permissiva e a interesses moralistas escusos.

Assistindo ao espetáculo impossível não lembrar da obra de Frederico Garcia Lorca, de quem Nelson mostrou-se fã. A perversidade, a mentira em famílias “perfeitas” e moralmente pudicas na montagem de Jorge Farjalla fica bem delineada.

A peça acontece em uma piscina de terra e, na lama, vemos os conflitos gerados por eles.

O diretor dirige os atores com maestria, destinando as falas certas aos mais experientes e equilibrando, assim, a montagem.

Ousado na direção , no entanto, não chegou a ser visceral em algumas cenas, faltou  comprometimento com ideias artaudianas.

O ponto alto da montagem são os atoes Alexandre Galindo, no papel do patriarca, construindo uma personagem depravada, libidinosa e contida; ao mesmo tempo tóxica nas palavras e na corporalidade – trabalho este, difícil de se verificar nos atores atualmente.

Semelhante caminho segue a atriz Mariana Baroni  – Senhorinha, que mostra  força interpretativa nos entregando uma personagem ousada e bela ao mesmo tempo – assim como submissa , também rebelde e corajosa. Como uma frase, reflexão de Medeia “Somos o que somos, mulheres”, mostrando talvez, a mulher rodriguiana e atual.

A trilha sonora, belíssima, acompanha os climas de cada cena, realçando momentos do espetáculo.

O desenho de luz, de Aline Santini, nos mostra porque é uma das criadoras mais destacadas do meio teatral.

Tudo está bem conceituado na peça “Álbum de Família”, que acompanha a ousadia de abrir um teatro com o nome “Estúdio”, muito perto do Centro de São Paulo, espaço bem cuidado com artistas comprometidos com arte e filosofia de vida.

Longa vida à empreitada em volta de onde ainda existe o receio de frequentar ruas paulistanas.

Este é um momento precioso! Uma companhia que inicia sua trajetória fecunda a render bons frutos à Cultura de São Paulo.

 

 

 Pamela Duncan

Alice Eugenia– revisão

Blog pensamento

www.pameladuncan.art.br

 

Teatro Estúdio

Endereço: Rua Conselheiro Nébias, 891 – Campos Elíseos

Capacidade: 142 lugares

Temporada: De 6 de julho a 18 de agosto

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