Freud e o visitante

 Na solidão do desassossego – um espetáculo fundamental.

A trama se passa em Viena, março de 1938. Os alemães invadem a Áustria e perseguem os judeus. A Princesa Marie Bonaparte e o cônsul americano negociam a partida de Sigmund Freud e  ele resiste em partir. Conta  82 anos de idade dos quais, nos últimos 16, luta contra um câncer e deseja terminar seus dias em sua terra natal. A história toma outro rumo quando sua filha, Anna, é presa para interrogatório. Nesse dia ele recebe uma estranha visita.

 

O Desconhecido a quem Freud supõe primeiro um ladrão  e, depois, um paciente inoportuno em busca de ajuda, começa a ser analisado pelo médico e,para surpresa deste,  os papeis se invertem:  o  Desconhecido demostra a Freud que ele sabe mais dele que o  próprio Freud. A partir dai começa  surgir em Freud  hipóteses de que o  Desconhecido fala  como se fosse una encarnação  de Deus, ao que ele se nega a admitir.

Em um mundo de violência, de livre arbítrio para fazer a guerra e promover a intolerância, o autor, através de Freud,  questiona o mal no mundo e o sofrimento por ele causado. Deus existe? Deu é cruel ? O homem é a semelhança de Deus? Quem é esse Deus das injustiças,  das guerras e das perversidades?

 

O diretor Eduardo  Tolentino escolhe um momento de caos humanitário, a partir da pandemia, que nos levou ao declínio da saúde mental e ao surgimento do egoísmo extremo e do individualismo,  manifestados em ações agressivas e autodestrutivas, permeando a sociedade global formada.

 

Tolentino conta com um excelente ator,  Brian Penido, que desenvolve a personagem Freud com brilho e convicção. Tem o tempo exato nas palavras  e o sentimento pontual a cada frase.

Penido mergulha na direção. Sua entrega é convincente –  um momento de brilhante atuação do artista.

O desenho de luz de Wagner Freire marca cada ambiente refletindo o espaço do consultório e o onírico da situação. Tudo bem definido e belo.

Os figurinos bem conceituados e a cenografia realista complementam o ambiente desejado para o espetáculo.

 

Tudo está no lugar certo e no momento certo para nos contar a angústia do autor frente ao mundo e também o limite do nosso olhar incapaz de intervir para  encontrar  saídas ao inevitável – isto nos persegue no nosso cotidiano e nos deixa atônitos frente aos fatos. Neste contexto, repensamos, entre avanços e retrocessos, a existência de Deus e, em existindo, como e quem ele é???

 

Vale a pena conferir bons espetáculos, bem interpretados e produzidos, mergulhar em questionamentos que não são só de gênios senão que nos acompanham a nós, “meros  mortais’, no dia a dia.

 

“Deus é um ser? Se o for ele é uma merda. Se não for ele nao é, ora ele não é.”  Antonin Artaud

 

Pamela Duncan

 

Revisão Alice Eugenia

 

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Teatro Aliança francesa

 

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