“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”
O espetáculo está baseado na obra de Jose Saramago, “Um Ensaio sobre a Cegueira”, leitura cênica do diretor Rodrigo Portella e o grupo Galpão – da obra de Saramago definida pelo próprio autor “como uma tentativa de nos perguntarmos o quê e quem somos. E para quê? Provavelmente não existe uma resposta e, se existisse, seguramente não seria eu a pessoa capaz de oferecê-la. No fundo, o que o livro quis expressar é muito simples: se somos assim, que cada um se pergunte porquê.”
O enredo acontece quando uma cidade é assolada por uma epidemia de cegueira, privando seus habitantes de enxergar o mundo como antes. Tudo começa com um homem no trânsito, repentinamente cego. Rapidamente esta condição se espalha e coloca à prova a moral, a ética e as noções de coletivo na cidade.
O diretor roteirista Rodrigo Portella é feliz na proposta cênica para os dias e os momentos de barbárie que vivemos .
Cria-se uma obra que é mais uma performance ou um sentir coletivo entre o público e os artistas da cena .
No início o espetáculo se arrasta um pouco no seu ritmo cênico e a plateia não entende muito o que está acontecendo mas, no transcorrer da encenação, acerta-se o tempo teatral permitindo aos sentimentos dos atores e suas performances invadam a plateia – ou seja, cria-se ligação, entre atores e público, forte e simbiótica.
Nessa bolha criada sentimos todos estarmos num mesmo barco, navegando cegos e, nesta cegueira, que não sabemos bem o que nos acontece; acompanhamos e seguimos, no barco dos intérpretes, os sentimentos propostos pelos atores e a direção… Impotência, raiva, alegria, desprezo, ódio, amor, comiseração… não sabemos bem.
Estes sentimentos originados da comunicação atores- público, talvez seja o mais importante a acontecer durante a peça; faz uma analogia do quanto vamos nos tornando cegos no mundo contemporâneo e. por não enxergarmos o outro, criamos uma sociedade de indivíduos atomizados, autocentrados, que só sabem correr atrás dos interesses próprios. O mal estar é tão grande que, em momentos de crise, pessoas cometem atos bárbaros que não cometeriam em circunstâncias normais.
Assim vemos os ataques às mulheres, o feminicídio. A cada 4 horas se mata uma mulher no Brasil. Sigmund Freud dizia que “o homem é ruim por natureza, violento e reprime seus desejos em prol da coletividade. E o Estado, através da ordem e da justiça, coíbe esse instinto primitivo do homem. Mas o homem é agressivo e, em situações de sobrevivência, mostra a sua verdadeira face, principalmente contra a mulher”. Nos dias de hoje a barbárie aumenta hora após hora sem que não nos manifestemos frente a isso .
Temos tudo filmado nas mídias: documentamos as guerras, a fome, o ódio no mundo, quando inocentes morrem sem saber porque e não conseguirmos “VER”.
O grupo de atores Antônio Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Luiz Rocha, Lydia Del Picchia, Paulo André e Simone Ordones. Em destaque Eduardo Moreira. Intensos, presentes e mágicos, criam uma coreografia poética a cada fala, todos com perfeito trabalho de dicção e grande domínio da cena.
Rodrigo Marçal e Rodrigo Portella criam proposta de iluminação que acompanha o desenho da direção interativa para cada momento, em belíssimo compasso .
A Direção musical, trilha original e paisagem sonora de Federico Puppi que encanta por sua magia e simplicidade
O conceito dos figurinos de Gilma Oliveira não está claro
O ponto alto para a plateia, é o convite feito para que algumas pessoas participem de cenas e tenham vivência da peça com os olhos vendados. Esta experiência sensorial exacerba os medos e inseguranças.
A peça vai chegando ao fim; nós, o público, já inquieto com o todo vivenciado, é conduzido a uma catarse de querer sair à rua e gritar “tire as vendas dos meus olhos”.
Forte e intenso, vamos embora com o pensamento de que a Arte salva e é nobre e, como nas palavras de Leonardo da Vince “Todo conhecimento nasce de um Sentimento”. Que aí está na frente dos nossos olhos .
São 43 anos bem vividos de pesquisa, ética, amor e poesia trazidos pelo Grupo Galpão, neste trabalho – “longa vida ao pensamento e ao sentimento desta trupe de viageiros solitários” .
Pamela Duncan – blog Pensamento www.pameladuncan.art.br
Eugenia Alice
Sesc 24 de maio Republica
https://www.sescsp.org.br › 24-de-maio ›
- 24 de Maio, 109 – República, São Paulo –

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