O vírus está na porta. Só espera o momento para poder entrar.
Tiago Lacerda, brilhantemente, aventura-se em um texto ao mesmo tempo denso e belo, neste caminho da pós pandemia.
A história começa na manhã do dia 16 de abril de 1940; o doutor Bernard Riex sai do seu consultório e tropeça num rato morto. Este e o primeiro sinal de uma epidemia, uma peste que toma conta de toda a cidade de Orão, na Argélia.
Assim inicia-se o romance A Peste, de Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura, relatando a quarentena dos habitantes da cidade. Num território irrespirável, onde seus habitantes são jogados a estados de sofrimento e loucura mas, também, de compaixão e até solidariedade. Em determinado momento as mortes começam a diminuir. Fechara-se um ciclo. As portas da cidade abrem-se. As famílias, até então separadas, começam a se reunir. Acabou. A praga durou 10 meses.
Esse livro estonteante é uma clara e direta critica de Camus ao nazismo e à ocupação militar alemã que humilhou e subjugou os franceses.
Camus participou da Resistência.
Escrito ao longo da guerra, com a expectativa de que a aflição passasse um dia, A Peste é lembrança de que o pior sofrimento um dia acaba e que noites escuras não são eternas. O romance é um grito contra qualquer forma de opressão humana.
Tiago Lacerda, como todos nós, viveu a pandemia e com o diretor Ron Daniels pensaram no texto. Não foram os únicos – já que foi o romance mais vendido e lido nessa época passada.
Antonin Artaud, teatrólogo, nos fala da semelhança do teatro e da peste que revela e define as pessoas e a sociedade – “A ação do teatro, como a da peste, leva os homens a se verem como são, faz cair as máscaras, põe a descoberto a mentira, a tibieza, a baixeza e a hipocrisia”.
Assim atuamos na pandemia, como atores nus, e por isto, no texto, pude criar um paralelo entre a política de 2022. Foi esse um período de sofrimento e silêncio – convidando-nos à reflexão a cada palavra do texto.
Tiago Lacerda tem o sentimento na boca e no corpo a cada movimento – mostra-nos atuação visceral, como Artaud se refere ao teatro.
O diretor Ron Daniels, experiente, desenha bem a encenação, mas falha na escolha do mapping e vídeo arte já que mistura estilos, propostas, cores e conceitos deixando quase um momento didático e pop. Tira a veracidade e força do intérprete e texto.
O figurino e cenário de Márcio Medina marca o território da personagem; é bem cuidado nos detalhes e cores. Assim a iluminação de Fábio Retti e a sonoplastia de Aline Meyer deixam o ambiente profundo e tensionado ao mesmo tempo . A produção impecável de Erika Teodoro completa uma equipe digna de ótimo espetáculo de arte na Cidade.
Vale a pena assistir “A peste” que, como numa fala da peça diz “ o vírus está aí na porta esperando para um dia entrar”… e que ainda temos muito o que aprender sobre comportamentos e solidariedade.
Pamela Duncan
Blog Pensamento-www.pameladuncan.art.br-pameladuncandiretora@gmail.com
Alice Eugenia
A Peste
Sesc Santana
Av. Luiz Dumont Villares, 579 – Santana
De 10/10 a 10/11, quinta a sábado, às 20h e domingo e feriados, às 18h.
Teatro.
14A.
(feriados: 12/10 e 02/11)
Duração: 80 minutos.
Sessão TSPI: 25/10, sexta, às 15h.
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